Mecanismos de Defesa do Ego encontrados na musica: Bola de Meia, Bola de Gude
Análise da Música Bola de Meia, bola de Gude por Sidney Sotero Mendonça. Atividade complementar da aula de Mecanismo de Defesa do Ego da turma de Formação em Psicanálise Clínica – T2/2018 da Academia de Terapeutas.

Bola de Meia, Bola de Gude (Milton Nascimento)
Há um menino, há um moleque
Orando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um passado no meu presente
O sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
Ele fala de coisas bonitas que
Eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo
Não quero viver como toda essa gente insiste em viver
Não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me
Alcança o menino me dá a mão
Compositores: Fernando Brant / Milton Nascimento
Letra de Bola de Meia, Bola de Gude © EMI Music Publishing
A música de Brant e Milton é uma ode ao mecanismo de defesa do ego conhecido como REGRESSÃO na medida em que a idéia central desenvolvida pelos artistas deriva de que "há um menino, há um moleque orando sempre no meu coração e toda vez que o adulto balança, ele vem pra me dar a mão". Inferimos de que isso ocorra de forma inconsciente buscando fugir das hostilidades e ansiedades da vida adulta, regressando à infância (1). A letra segue embalando rumo a "um passado no meu presente" e endossando nossa tese de que, na vida adulta "toda vez que a bruxa me assombra" posso contar com "o menino" que consistentemente e inconscientemente "me dá a mão".
Entretanto, julgo necessário apontar outros mecanismos de defesa do ego relevantes e menos explícitos na letra em questão. Há sugestão, ainda que indireta, ao ALTRUÍSMO, mecanismo de defesa madura do ego, quando atribuímos ao menino "coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir: amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor". Fica patente no texto a gratificação obtida pelo sujeito ao tratar de valores que geram atitude para o próximo e portanto em desfavor das necessidades instintuais, ou seja, prazer na realização de necessidades alheias em detrimento do self (1,2).
Falando ainda de nosso adulto-menino, o sujeito em primeira pessoa que discorre seus pensamentos em letra de música, percebemos que na terceira estrofe, nos surpreende e fala como homem maduro denotando, de forma consciente ou semiconsciente, SUPRESSÃO quando, veementemente afirma que: "não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver" (1). Quando apesar de, em algum grau ser condicionado ou tentado a ceder ao conflito/impulso, brada: "não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal".
Aponto ainda a pitada de HUMOR, enquanto mecanismo de defesa do ego, de forma mais perceptível na quarta estrofe quando nosso menino, brincando com as palavras, recorre a brinquedos de infância como a "bola de meia" ou "bola de gude" para enfrentar o incômodo pessoal gerado por, apesar de solidário e altruísta, sentir-se só e, consequentemente, triste (1).
Concluindo e extrapolando a letra em si, arrisco dizer que para a inspiração desta obra musical primorosa foi necessária grande energia pulsional recanalizada e dispendida por Brant e Milton, tornando irresistível mencionar que muito provavelmente trata-se de produto de SUBLIMAÇÃO beneficiando a nós todos, enquanto sociedade, com uma obra eternizada no período áureo da MPB .
(1) Academia de Terapeutas - Apostila - Freud 2 - Dinâmicas da Funcionalidade do Psiquismo
(2) Academia de Terapeutas - Apostila - Mecanismos de Defesa
(3) Letra de Bola de Meia, Bola de Gude © EMI Music Publishing